Catu perdeu esta semana, uma das mentes mais brilhantes já registradas em todos os tempos na história do município, o professor Jailton Souza de Almeida. Ele morreu na segunda-feira (19), vítima de COVID-19.
Jailton era graduado e mestre em física pela UFBA e doutor em física pela Universidade de Uppsala, na Suécia. Ele ingressou como docente na UFBA em 2008, lotado no Departamento de Física Geral. Atuou como revisor de diversos periódicos internacionais – entre os quais Physical Review Letters, Physical Review B, Applied Physics Letters, Scientific Reports, Cogent Physics – e possui dezenas de artigos publicados em revistas científicas internacionais, com mais de 500 citações.
Após a sua partida, uma homenagem foi feita a Jailton pelo Professor Dr. Adriano Silva, da Universidade Federal do Sul da Bahia – UFSB:
“Em memória do meu amigo Jailton Almeida
Na madrugada do dia 19 de abril a pandemia nos privou da convivência do físico e professor catuense Jailton Souza de Almeida, após uma brava batalha contra a covid-19.
Seria impossível para mim, nessa breve nota, destacar todos os detalhes da minha interação com o meu grande amigo e colega de profissão.
Com ele compartilhei todas as minhas conquistas e derrotas, fossem elas no campo pessoal ou profissional.
Um ser humano modesto e discreto, avesso a qualquer tipo de ostentação, como poucos que conheci ao longo de minha vida. Ele sempre proporcionou demonstrações de paciência e zelo em nosso convívio, atributos que sabia exercer como poucos na construção e condução de uma amizade. A minha história se confunde em vários períodos com a dele e vice-versa. Por isso, tentarei sintetizar não somente um pouco da trajetória em comum que tivemos, mas, sobretudo, destacar resumidamente alguns aspectos que julgo relevante na cronologia do grande cidadão e cientista catuense que nos deixou de forma tão prematura e inesperada.
O professor Jailton nasceu em Catu em 29 de setembro de 1971, filho de João Gualberto de Almeida e Joana Ramos de Souza.
Ele fez o ensino básico nas escolas Ponte Preta, Isabel de Melo Góes e Pedro Ribeiro Pessoa, respectivamente. Em 1988, ingressou no Colégio Cenecista Senhora Santana do Catu, onde eu já estudava desde 1984.
Naquele ano nós iniciamos juntos o curso técnico de química, onde desde o início ele chamava a atenção pela dedicação e seriedade com a qual se dedicava às disciplinas. Era um estudante sereno que ocupava sempre as primeiras fileiras da sala, posição geralmente estratégica para quem desejava se concentrar na aula. Eu percebi que, apesar de sua timidez, ele estava sempre disposto a ajudar os colegas que tinham dificuldades nos assuntos que mais dominava.
Nessa época, ele já demonstrava duas outras características de sua personalidade que levaria consigo ao longo de sua vida: prudência e humildade.
De fato, Jailton sempre muito discreto e atencioso com todos ao seu redor, contrastava claramente com uma sala de aula repleta de estudantes barulhentos e nem tão engajados ou focados quanto ele. Infelizmente, eu devo incluir-me na parcela barulhenta, pois apesar de ser um entusiasta da ciência, naquela época eu estava mais interessado em música e política do que necessariamente nos estudos. Eu era frequentemente alvo de críticas severas, porém justas dos professores, mas foi justamente nesse ambiente de comportamentos e interesses tão heterogêneos onde nos conhecemos.
Ao longo daquele ano letivo fomos forjando gradual e progressivamente uma amizade e respeito mútuo profundos. Foi nesse período que despertou simultaneamente em ambos a devoção pelo aprendizado das ciências exatas.
A amizade iniciada na sala de aula superou os muros da escola, a ponto de começarmos a frequentar a casa um do outro. Desde então, considero-me parte da grande família Almeida e certamente o incluo na minha própria.
Em nossos tempos de colégio Santana devo ressaltar que tivemos a sorte de receber sólido apoio dos dedicados professores de química e da direção do colégio que sempre nos proporcionou todos os meios disponíveis para nosso aprendizado. Tínhamos total liberdade para usar as dependências do laboratório e fazermos o que bem entendêssemos. Era frequente atrasar nossas refeições do meio-dia, pois havia a necessidade de coletar água destilada, gentilmente cedida pelo professor de química Euro Araújo, então trabalhando na Escola Agrotécnica Federal de Catu, para realização dos experimentos.
A valiosa ajuda do professor Euro permitiu realizarmos mais adequadamente os experimentos de química.
Além das atividades práticas propostas no curso (que possui forte apelo experimental), sempre fazíamos outras adicionais por conta própria. Essa iniciativa agregava ainda mais conhecimento na assimilação de cada tema estudado. Nessa época, Jailton se destacava pela organização e criatividade, sempre me motivando a ir além do que estava proposto nos manuais de laboratório.
Após nossa formatura em 1990, fizemos o vestibular e ingressamos, em semestres diferentes, nos excelentes cursos técnicos oferecidos pelo Senai em Camaçari, onde concluímos em 1992. Foi ainda nesse ano que juntos convencemos a direção do Senai a prestigiar a feira de ciências realizadas em Catu na escola agrotécnica.
Certa vez, li que um jovem decide tornar-se físico estudando inicialmente química ou eletrônica. Em nosso caso, tivemos a fortuna de termos adquirido formação nessas duas áreas, tornando inevitável nossa escolha pelas ciências físicas.
Eu tenho orgulho de afirmar que exerci influência na decisão de Jailton em sua opção pelo curso de física, pois ele também mostrava inclinação para engenharia elétrica.
Em 1994, quando Jailton ingressou no bacharelado em Física da Universidade Federal da Bahia (UFBA), eu estudava um curso de tecnologia no extinto CENTEC, mas quis o destino nos unir novamente. Ainda em 1994, como aluno do CENTEC, eu consegui a oportunidade, pelo intermédio do professor Wilson Otto Gomes Batista, de trabalhar juntamente com Jailton em iniciação à pesquisa no Laboratório de Cristalografia do professor Zbgniew Baran. Vale destacar que, pelo seu costumeiro excelente desempenho, Jailton frequentemente era agraciado com bolsas de estudos destinadas a alunos de graduação.
Em 1996, eu também ingressei no curso de Física, onde tive nova oportunidade para continuar trabalhando com Jailton como iniciantes de pesquisa no Laboratório de Propriedades Óticas coordenado pelo professor Iuri Pepe.
Nesse período, pudemos desenvolver projetos de pesquisa que foram relevantes para nosso treinamento em instrumentação científica. Ao longo de todo o seu curso de graduação tornou-se evidente sua competência.
Como estudante da universidade ele era admirado pelos colegas e respeitado pelos professores, que reconheceram nele o enorme potencial e talento, premissas fundamentais para todos aqueles que desejam se tornarem cientistas.
Em 1998, logo após ter obtido sua graduação, decidiu ingressar no mestrado na UFBA que concluiu em 2001. Durante nossa temporada em Salvador, tive o prazer de morarmos juntos por aproximadamente cinco anos. Foi um período bem peculiar e marcante em nossas vidas, mas certamente muito proveitoso, especialmente para mim que pude aprender com Jailton como administrar a vida de estudante de forma mais otimizada. Foi também uma excelente oportunidade para estabelecer longas discussões a respeito de diversos tópicos de física.
Em 2002 Jailton embarcou para a Suécia para fazer o doutorado em física do estado sólido na Universidade de Uppsala, uma das mais prestigiadas instituições de ensino e pesquisa do mundo. Em 2002, eu também viajei para Suécia, mas com o objetivo de fazer o mestrado em física, onde estudei inicialmente na Universidade de Linköping.
Ao terminar os cursos obrigatórios em Linköping eu me transferi para a Universidade de Uppsala, onde elaborei meu trabalho de dissertação. Foi um período turbulento em nossas vidas, pois tivemos que superar diversos desafios de ordem pessoal e profissional. Em minha temporada em Uppsala tive o prazer de dividir residência com ele novamente o que, sem dúvida, foi muito bom para mim, pois iria conviver novamente com meu grande amigo e compartilhar meus interesses científicos.
Após o término do meu mestrado na Suécia (2004) retornei ao Brasil para concluir o trabalho de mestrado que havia iniciado antes de partir para a Escandinávia.
Após o cumprimento de minhas obrigações pendentes no Instituto de Física da UFBA, eu decidi dar um novo rumo a minha carreira acadêmica, ingressando em 2007 no doutorado na Universidade Federal de Minas Gerais, passando a estudar os segredos das células nervosas. Apesar de cada um ter seguido um caminho acadêmico distinto, nossa comunicação continuava tão frequente quanto empolgante.
Em 2006, Jailton obteve seu título de doutor e optou por retornar à Bahia, embora tivesse ofertas para continuar no exterior, onde finalmente conseguiu (2008) um cargo de professor adjunto de física na UFBA. Nessa universidade ele continuou suas pesquisas sobre as propriedades físicas dos sólidos iniciadas no mestrado.
Na condução de seus projetos, cujos resultados sempre foram publicados nos periódicos mais respeitados do mundo em sua área, ele contou com a colaboração de vários colegas, estudantes de mestrado e doutorado.
Sempre era notável seu enorme entusiasmo, refletido na sua dedicação aos estudantes de graduação e pós-graduação, tanto quanto a cada curso que preparava e ministrava. Sem nenhuma dúvida, o seu engajamento frequentemente imprimia, embora ele talvez não percebesse, motivação e entusiasmo em mim mesmo, impulsionando- me para a criação e aprimoramento de meus cursos, visando atingir o mesmo patamar de qualidade.
Por ironia do destino, como cientista formado, eu nunca tive o privilégio de colaborar em um projeto científico com meu grande amigo. Oportunidades não faltavam, mas esbarravam no tempo disponível de ambos para executar uma ideia relevante e que trouxesse uma contribuição honesta para a comunidade científica. Outro fator que dificultava nossa interação é que passei a trabalhar com biofísica molecular, tema no qual Jailton que não era especialista. Eu também não tinha o embasamento necessário de sua área, embora tivesse feito dois mestrados em física do estado sólido. Apesar do embargo de nossas formações não ter permitido uma colaboração imediata, vínhamos discutindo ideias que pudessem servir como um tema de pesquisa comum.
Pouco tempo antes de contrair a doença que o vitimou, preocupado com a atual crise epidemiológica que também assola Catu, Jailton decidiu estudar o perfil temporal de contaminação por covid-19 no município, obtendo resultados que mostravam claramente a tendência para o aumento do número de casos e mortes. Após compartilhar seus achados comigo, coube-me incentivá-lo a elaborar um pequeno relatório para ser encaminhado às autoridades de saúde do município. Essa é uma pequena amostra do quanto ele se importava com sua terra natal.
Em uma de nossas últimas conversas ele sempre enfatizava o desejo de contribuir de alguma forma para a educação dos jovens do município. Ao mesmo tempo, ele igualmente reforçava a minha própria obrigação em participar desse processo. Porém, devo enfatizar que no ano 2000 tivemos a oportunidade de criar um curso de eletroeletrônica para os jovens de Catu. Esse projeto certamente nos deu muita satisfação durante sua execução e contou com o precioso apoio da professora e amiga Amélia Ferreira Teixeira. Infelizmente, não tivemos tempo para elaborarmos um novo projeto e submetê-lo à apreciação das autoridades em educação do município.
Não seria possível delinear em poucas linhas toda a inestimável contribuição intelectual que meu querido amigo e conterrâneo proporcionou para o estabelecimento da pesquisa e ensino de física no estado da Bahia.
A covid-19 nos roubou mais uma vida preciosa e com ela se foi a enorme contribuição que ele certamente daria, mas a tragédia que sua perda representa para sua família, amigos e colegas não apagarão a chama do ser humano magnífico e intelectual de ciência destacado.
O seu amor pela vida e o legado profissional sobreviveram em todos aqueles que conviveram com ele ao longo de seu quase meio século de existência. Eu não medirei esforços para manter viva a memória de um dos mais ilustres filhos dessa terra”.
(Prof. Dr. Adriano Silva Universidade Federal do Sul da Bahia – UFSB).
Jailton parte deixando uma filha e esposa.
Verdadeiros filhos são aqueles que mesmo longe nunca esquece e se orgulha da sua terra natal. Assim como o prof. Adriano, Bobó para os mais íntimos, também estudei com Jailton. Pessoa simples, calado, meio tímido mas muito gente boa e sempre demonstrava o valor da família pela sua educação e simplicidade. Catu e nos catuenses perdemos uma um grande exemplo de pessoa. Que o nosso Deus, cristão que sou, o coloque em um bom lugar e conforte toda sua família e amigos.