Grávida de 8 meses, Yumi ligou para a emergência em Kashiwa, na província de Chiba (a 40 km de Tóquio), após ter um sangramento no dia 17. Uma ambulância atendeu ao chamado, mas não conseguiu encontrar um hospital. Ela foi obrigada a dar à luz em casa. O bebê, prematuro, não resistiu.
Na casa dos 30 anos e com diagnóstico de Covid-19, Yumi não estava se tratando em um hospital porque nem todas as instalações médicas da região estão habilitadas para internar gestantes nessa condição nem para realizar cesáreas e isolar recém-nascidos relacionados a casos da doença.
Ela é um dentre mais de 45 mil japoneses com Covid orientados a fazer algum tratamento em casa. Após as Olimpíadas de Tóquio, encerradas em 8 de agosto, o Japão vive uma alta de infecções impulsionada pela variante delta, com a disparada de casos graves e sobrecarga nos hospitais.
Neste mês, o premiê Yoshihide Suga determinou que hospitais admitam apenas pacientes com quadros muito graves, que precisam de tratamento intensivo e do uso de respiradores artificiais.
“Dizem que é tratamento em casa, mas na verdade é abandono em casa”, criticou o parlamentar Yukio Edano, líder da oposição, depois de o governo oficializar a diretriz.
Como Yumi, Yukie, na casa dos 40 anos, não conseguiu atendimento a tempo na capital. Diabética e com sintomas como febre e tosse, ela recebeu o diagnóstico no dia 10 e foi orientada a se tratar em casa, junto ao marido e o filho, também infectados. Dois dias depois, ela morreu.
Kenji, na faixa dos 50, precisou bater à porta de mais de 100 instituições médicas de Tóquio até conseguir um leito. Ele estava se recuperando da Covid-19 em casa, mas precisou ser internado pois não estava conseguindo respirar. A ambulância levou mais de 5 horas para encontrar um hospital com leito vago.
Yumi, Yukie e Kenji são nomes fictícios: a identidade dos três não foi revelada pelas autoridades. A NHK, empresa de mídia estatal nipônica, reportou os três casos.
“As alas destinadas à Covid-19 estão quase que totalmente ocupadas [80%], principalmente na região metropolitana de Tóquio”, relatou à Folha Haruka Sakamoto, pesquisadora do departamento de políticas de saúde global da Universidade de Tóquio.
Lá, cerca de 60% dos que ligaram para a emergência em busca de ajuda devido ao agravamento de sintomas durante o tratamento domiciliar não tiveram acesso a hospitais.
A Agência de Administração de Desastres e Incêndios passou a contabilizar casos suspeitos de Covid-19 levados por ambulâncias e recusados por pelo menos quatro hospitais. Na última semana de julho, foram 991; na primeira semana de agosto, 1.387; na seguinte, somaram 1.679.
“As Olimpíadas já passaram, então ninguém mais precisa fingir que está tudo ok”, ironizou o produtor italiano Cesare Polenghi, de uma agência que promove o futebol na Ásia, em post no Facebook.
Esta semana, porém, marca o início das Paraolimpíadas, cuja abertura está marcada para esta terça-feira (24).
Na capital, a situação foi descrita como de calamidade pelo painel de especialistas do Ministério da Saúde. No último dia 18, 27 das 47 províncias japonesas registraram recordes de casos; 13 delas estão sob estado de emergência até o dia 12 de setembro.
Desde o início da pandemia, o Japão contabiliza 1,3 milhão de casos e 15,5 mil mortes. A vacinação está avançando (até o dia 19 de agosto, 40% da população japonesa já havia sido inteiramente imunizada), mas não o bastante para conter a onda atual. Dos 238 mil casos ativos no arquipélago, mais de 7.000 são críticos.
O Japão possui 12,98 leitos para cada 1.000 habitantes, a maior média per capita entre os países desenvolvidos, mas a maioria é para doenças leves. São apenas 5 leitos de UTI por 100 mil habitantes. No Japão, todos os residentes devem se cadastrar e contribuir mediante impostos com um seguro público, como Kokumin kenko hoken (seguro de saúde) ou Shakai hoken (seguro social), que cobre 70% das despesas. Os 30% restantes são pagos pelo paciente diretamente às instituições.
Dos 3.008 hospitais particulares na ativa, apenas cerca de 30% conseguem atender pacientes com Covid-19. Isso quer dizer que um hospital pode recusar internações se não tiver vaga na ala reservada para a doença, mesmo se tiver leitos disponíveis em outras.
Nos últimos dias, ao menos nove províncias decidiram montar “estações de oxigênio” provisórias em hotéis e ginásios para ajudar quem não conseguiu leitos em hospitais.
Segundo a psicanalista paulista Carine Sayuri Goto, radicada em Higashine, a chance de ser recusado por hospitais agrava a sensação de insegurança na pandemia, principalmente entre os imigrantes. “Imagine que você está com febre e sentindo falta de ar, mas vive a dúvida de não conseguir ser acolhido por uma clínica a tempo?”, diz ela.
Fonte: Bnews