Sentado na cadeira de governador de São Paulo, João Doria (PSDB) venceu prévias e tentou pavimentar sua candidatura ao Planalto, mas não superou completamente a resistência de políticos e do eleitorado a um gestor visto como trabalhador, mas marqueteiro.
Doria tinha como plano transmitir o cargo ao vice-governador Rodrigo Garcia (PSDB), que assumiria a gestão para concorrer à reeleição. Mas, nas últimas horas, Doria disse a aliados que desistiu da eleição e seguirá no governo, o que abriu uma crise entre aliados no PSDB.
Dedicado à pré-campanha, o tucano buscava se viabilizar como candidato da terceira via apesar de ter uma rejeição de 30%, segundo a última pesquisa Datafolha.
O governador só perde numericamente nesse quesito para o presidente Jair Bolsonaro (PL) e o ex-presidente Lula (PT), que são rejeitados por 55% e 37% respectivamente, de acordo com o levantamento.
A pesquisa da semana passada mostra Lula com 43% das intenções de voto, contra 26% de Bolsonaro, 8% de Sergio Moro (Podemos), 6% de Ciro Gomes (PDT), 2% de Doria e 1% de Simone Tebet (MDB).
Doria está neste momento estacionado nas pesquisas e pressionado pelo governador Eduardo Leite (PSDB-RS), que pretende virar a mesa das prévias e ser escolhido candidato com apoio de uma ala do partido.
Nesta terça (29), o senador José Serra (PSDB-SP) afirmou que o resultado das prévias deve ser respeitado posição também defendida pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) na segunda (28).
Por outro lado, o PSDB já tem apalavrada uma coligação com União Brasil e MDB e uma federação com o Cidadania. Os quatro partidos, porém, vão escolher apenas um candidato até junho. Aliados veem mais atributos em Doria do que em Tebet ou Moro e apostam que ele ainda vai decolar nas pesquisas.
Em um jantar de empresários em sua homenagem na noite de quarta (30), Doria afirmou que não precisa necessariamente ser o candidato, citando Tebet e Moro, além de dirigentes da União e do MDB.
“Não é preciso ter a prerrogativa do eu, a prerrogativa é o Brasil, são os brasileiros. Temos que ter grandeza de alma. […] Essa grandeza exige desprendimento, exige a capacidade de enxergar adiante”, disse Doria, afirmando que Lula e Bolsonaro são pesadelos.
Ele também criticou as acusações corrupção no Ministério da Educação e a censura a artistas no Lollapalooza.
Como mostrou o jornal Folha de S.Paulo, Doria tinha o trunfo da vacina e uma série de vitrines em diversas áreas, como investimentos recorde, crescimento econômico, obras do metrô e de estradas, ensino integral e despoluição do rio Pinheiros embora haja dúvidas se o tucano vai conseguir capitalizar as entregas.
Um levantamento com 50 das principais metas da gestão mostra que quase metade delas não foi realizada (24%) ou está em fase inicial (20%). Outras 12% foram concluídas, 16% estão em estágio avançado, e 28% seguem em andamento.
O ponto fraco de Doria, segundo aliados e detratores ouvidos pela reportagem, está na falta de habilidade política e no excesso de marketing. O governador foi descrito como afoito e personalista ao mesmo tempo que competente e dedicado.
Ainda assim, Doria já venceu três prévias e duas eleições. Pautou-se no antipetismo, na antipolítica, no combate à corrupção e na segurança pública fórmula que não deve se repetir em 2022.
Ao traçar uma rota ao Planalto, que vinha sendo seu objetivo desde que venceu a eleição para a prefeitura da capital paulista em 2016, Doria não conseguiu arrebatar o próprio partido, comprou brigas com aliados, tropeçou na articulação política e teve mudanças de postura, o que lhe grudou uma fama de oportunista.
Seu principal cavalo de pau foi na relação com Bolsonaro. Depois de se eleger governador de carona no BolsoDoria, o tucano rompeu com o presidente e se projetou como seu principal rival na pandemia.
O movimento colocou Doria, chamado de “calça apertada” por bolsonaristas, na mira de apoiadores do presidente, seja em carreatas ou nas redes sociais.
Por outro lado, o governador já não tinha a simpatia da esquerda e nunca abandou a trincheira do antipetismo, sendo crítico a Lula. Isso não mudou apesar de Doria ter abraçado temas progressistas como o feminismo e o antirracismo.
Na pandemia, quando Doria tomou a frente contra o negacionismo bolsonarista, também houve postura errática em decisões sobre fechamento de comércio e liberação de máscara, evidenciando o conflito entre seguir a ciência ou construir uma boa imagem.
Exemplos de tropeços nessa área foram as viagens a Miami e ao Rio de Janeiro enquanto o “fica em casa” imperava. Doria também despertou a ira de Bolsonaro e de outros governadores ao iniciar a vacinação contra a Covid em São Paulo antes do restante do país.
A exposição de Doria durante a pandemia é vista até por aliados como excessiva e dada como explicação da sua rejeição. Se houve o benefício de grudá-lo na vacina, ele também passou a ser associado a notícias ruins.
Nos últimos meses, Doria foi aconselhado a mudar de estratégia: falar mais de sua gestão e não se meter nas brigas políticas.
Folha